Futebol champagne

No dia 13 de Maio de 1981 estava a tomar banho, quando me baixei para ir buscar o shampoo, escorreguei e bati com o joelho direito na bacia da sabonária que a minha mulher tinha posto dentro da banheira. Sempre a mesma conversa, a dizer-me para não deixar entrar água na bacia com os tapetes de molho. É uma aflita aquela mulher. E eu ali cheio de cuidadinhos, mas que preciso do meu espaço para me estar a lavar à vontade, dei um tombo que rasguei o joelho direito. Acabou aí a minha carreira de futebolista.

 

Fui várias vezes campeão e ganhei muitas taças. Tenho em casa um sotão que de momento nem dá para entrar porque está cheio com elas, e muitas já a minha mulher converteu para usar como taçinhas para a salada de frutas. Quando temos convidados eles ficam todos contentes, porque na maioria das vezes nunca nenhum deles ganhou um troféu e nunca pôde beber por uma taça. Ainda que não seja champagne, o sumo da salada de frutas dá para ter uma experiência já bem completa. Como as taças vão à máquina de lavar já estão quase todas cinzentas, mas nunca ganhei um troféu que fosse de prata! Era tudo de ouro e primeiros lugares.

 

Em campo eu era conhecido como o Fintas. Tinhamos grande equipa na altura. A seguir a mim o melhor era o Fanecas, que era muito superticioso e então obrigava a mãe a ir a todos os jogos. Não era sequer para puxar por ele, ou dar-lhe umas sandes no final. Ele exigia que sempre que se lesionasse e tivessem que entrar os bombeiros e médicos, a mãe também entrava para lhe dar um beijo na ferida. Quase sempre funcionava.

Quando havia jogos de futebol ao domingo de manhã, a mãe tinha de vir à pressa da missa para dar o beijo. Uma vez tiveram de a ir buscar de táxi, ainda a missa ia na parte dos beijos, e o Fanecas ali em campo durante 20 minutos a fingir que estava com dores de barriga.

 

Ser um grande jogador de futebol está na arte de dominar as pequenas coisas. É na marcação de livres, na reposição da bola em jogo, ou no queimar tempo quando se está a ganhar. Eu era especialista neste último. A 5/10 minutos do final e estando a ganhar, atirava-me sempre para o chão assim que alguém me dava um toque. Rebolava-me, dava uma cambalhota e um pinote e rebolava mais. E continuava a rebolar até sair pela linha mais afastada de onde estava. O árbitro não podia fazer nada porque para ele, eu estava mesmo em dores. Ganhavamos ali na calmas uns 7 minutinhos que muitas vezes foram valiosos, como naquela vez que subimos à 2ª e mal ouvi o apito fui a correr para ser o primeiro a beijar a taça. Que as taças são como o menino Jesus da Páscoa, não vamos ali andar a dar beijos, sobretudo em sítios onde o Fanecas já tenha posto a boca.

 

Um jogo do Marrazes, mas não me lembro bem das equipas. Ficou 3-1.
publicado por fax às 14:29 link do post | favorito